sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Quatro tipos de Património Artístico

O Património Artístico esteve sempre presente em toda a Humanidade, desde as suas origens até à actualidade. O Homem e o seu património cultural, nele incluindo o artístico, são companheiros inseparáveis desde todo o sempre. Mais, a Arte torna o Homem mais humano, dando ao seu destino um sentido de Transcendência e um sentido do Divino. No entanto, apesar deste conteúdo metafísico, a Arte tem uma dimensão material porque existe enquanto obra. O Património Artístico assume várias formas, conforme as suas várias manifestações artísticas: a pintura, a escultura, a fotografia, a cerâmica e também as quatro por nós seleccionadas: uma peça de teatro, um filme, uma dança, uma peça musical. É constituído pelas obras de arte e os diversos testemunhos artísticos do passado e que herdámos de gerações sucessivas, tendo o dever de o preservar, utilizar e valorizá-lo para as gerações vindouras.
Sobre o Património Artístico, dizem-nos Maria Calado e Manuel Santinho:

«conhecer o património artístico passa pela sua leitura correcta e pela aquisição de uma informação rigorosa e profunda sobre cada um dos aspectos. Assim se constitui a primeira plataforma para a sua valorização, primeiro através de fruição, e depois através da intervenção adequadas no sentido da sua preservação mais enriquecida. No quadro contemporâneo, a protecção do património artístico e o reconhecimento do seu valor faz-se através da intervenção técnica, da classificação e da criação de mecanismos de protecção jurídica».
[1]


Comecemos pelo Teatro. O termo “teatro” deriva do vocábulo grego theatron, que significa “o local onde se vê”. Ou seja, inicialmente, teatro designava o edifício: o palco onde os actores representavam, o espaço dos espectadores, os bastidores, os camarins, etc. Tratava-se de um espaço físico. Mas a nosso ver, e de acordo com a posição actual em relação ao assunto, isso não é Teatro. Teatro é muito mais do que isso: é uma arte de encantar, simultaneamente fictícia e real. Fazer teatro é representar e cativar a atenção do público, divertir, fazer chorar, enfim, conversar. Realmente, o Teatro é antes de tudo comunicação e conversa entre dois interlocutores: os actores no palco e os espectadores sentados nos seus lugares. Trocam informação, ideias, emoções e sentimentos. Uma peça de Teatro, seja de que género for, tem sempre algo a revelar, por isso é também uma actividade de desenvolvimento interior, respondendo a uma necessidade profunda do ser.
P. Campeanu encara o Teatro, precisamente nesta perspectiva de comunicação e também de ritual:

«P. CAMPEANU vê nesta dissociação fundamental do grupo humano em espectadores e protagonistas, o reflexo da separação entre o emissor e o receptor do processo da comunicação e identifica a tensão existente entre os dois tipos de experiência: a fictícia dos protagonistas e a “real” dos espectadores, tensão que caracteriza um certo tipo de “associação humana” através da qual se pode definir o espectáculo teatral. Associação, dissociação e interacção dos dois elementos são, segundo Campeanu, fundamentais porque é numa “determinada ritualização das relações humanas” que reside a sua função primordial: “kkritualização” porque o teatro mais do que qualquer outra arte, é ritual na sua essência e “determinada” porque a arte teatral converte os valores rituais em valores estéticos através de uma mudança de código, por um “mecanismo” que, ao assimilar os caracteres gerais do ritual, lhes confere uma qualidade específica. Portanto, é por intermédio do espectador, por uma transformação dos seus valores, que o teatro regressa ao rito».
[2]

Também Roland Barthes vê no teatro uma forma de comunicação e informação:

«O que é o teatro? uma espécie de máquina cibernética. Em repouso, esta máquina esconde-se por detrás de um reposteiro mas assim que fica a descoberto começa a enviar-nos mensagens. Estas mensagens têm de característico o facto de serem simultâneas e, todavia, terem diferentes ritmos; em determinada altura do espectáculo recebemos “ao mesmo tempo” seis ou sete informações (provenientes do cenário, da indumentária, da iluminação, da colocação dos actores, dos seus gestos, mímica, falas); estamos, portanto perante uma verdadeira polifonia informativa e é isto que constitui a teatralidade: “uma densidade de signos”».
[3]

Não deixamos de concordar com R. Barthes, mas para nós, o Teatro vai muito mais além da simples transmissão de informação. Ele é sobretudo movimento por dentro, transformação (dos actores e dos espectadores). O Teatro é um conflito de emoções e sentimentos e sua finalidade é produzir no público uma impressão que tem mais a ver com a sensibilidade do que com a intelectualidade. Esta fica para depois da peça: para os críticos.
Connosco concorda Fernando Peixoto:

«Se o Homem é e sempre foi “um animal social”, só vivendo e comunicando entre si podia sobreviver. E o teatro, como veículo privilegiado para essa comunicação, torna-se uma arte que, embora constantemente ameaçada, sempre soube renascer das cinzas, conferindo aos humanos o direito a expressarem as suas dores, as suas fobias, as suas angústias, mas também a sua esperança e convicções. Existir é representar».
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Passemos agora ao Cinema. A Lei nº 107/01 de 8 de Setembro define no seu Artigo 84.º o património áudio-visual, no qual inclui aos espectáculos cinematográficos: Vejamos os pontos 1 e 2:

Integram o património áudio-visual as séries de imagens, fixadas sobre qualquer suporte, bem como as geradas ou reproduzidas por qualquer tipo de aplicação informática ou informatizada, também em suporte virtual, acompanhadas ou não de som, as quais, sendo projectadas, dão uma impressão de movimento e que, tendo sido realizadas para fins de comunicação, distribuição ao público ou de documentação, se revistam de interesse cultural relevante (…)
Integram, nomeadamente, o património áudio-visual as produções cinematográficas, as produções televisivas e as produções videográficas
[5].
O Cinema é outra arte mágica que, como o teatro deve ser preservada e protegida. O primeiro encanto está na maravilha da imagem em si e do seu movimento, imagens essas transformadas em comédia, drama, ficção científica…em suma, em Arte; o segundo encanto é a identificação do espectador com uma personagem, que nele desperta as mais variadas emoções; o terceiro encanto é a aprendizagem ainda que inconsciente; e o quarto reside nas mudanças interiores (por imitação ou por repulsa).

Segundo Peixoto Fernando:

«As participações subjectivas, ao fixarem-se na imagem objectiva, dão-lhe uma alma e uma carne: a presença objectiva. Todavia, entre a destruição dos quadros objectivos do cinematógrafo e o seu restabelecimento operado pelo espectador do cinema, há um hiato infinitesimal. Através desse buraco de agulha, toda a caravana mágica foi passando e introduzindo, por contrabando, o ópio do mundo irreal».
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“Ópio” parece-nos ser um termo forte demais. Nós diríamos antes: abençoado ópio, desde que não levado a extremos de alienação. Afinal, tanto no cinema como no teatro, real e irreal andam de mãos dadas e os filmes e peças teatrais, às vezes, não estão assim tão longe da chamada Realidade. E referimo-nos a realidade exterior e interior.


Chegou o momento de registar alguma informação sobre a MÚSICA. O vocábulo “música” vem do grego musiké téchne que designa “a arte das musas”. Daqui concluímos que a Música deve muito à inspiração.
É impossível encontrar-se uma definição para esta forma de arte. Aliás, definir é limitar. Podemos, contudo, afirmar que se não estabelecer um diálogo entre o compositor ou intérprete e o ouvinte, através da obra musical, então não haverá Música.
Como no teatro e no cinema, a Música, para produzir o seu efeito, tem que saber comunicar. Mas comunicar o quê? Os afectos ou desafectos da alma devem ser manifestados através do som. Ele permite que compositor/intérprete/executante enfatizem as suas emoções e transmitam isso mesmo ao ouvinte. É claro que, como no teatro e no cinema., nem todos os espectadores /ouvintes recebem a mesma mensagem. Cada um reinterpreta à sua maneira aquilo que escuta. A personalidade, o estado de alma no momento, a sensibilidade, a cultura e educação de cada um acabarão por determinar as mensagens transmitidas pela peça musical. E isso até nem é mau. Muito pelo contrário: é a Música a despertar em cada um aquilo que de melhor ele possui.
No fundo, como lemos num site da Internet «(…) a música decorre de um desejo humano de modificar o Mundo».
[7]

Finalmente chegamos à Dança, outro dos patrimónios artísticos que decidimos trabalhar. Em comum com os outros possui a beleza estética e a arte de comunicar algo a alguém. Mas a Dança usa o movimento para passar as suas mensagens. Ela nada mais é do que uma sequência de passos, gestos, arabescos e movimentos corporais levados a cabo dentro dum ritmo determinado, com a finalidade de expressar sentimentos humanos. Segundo A. De Oliveira: «Esta expressão englobante do corpo e do espírito favorece a distensão emotiva (cartase) e integração da personalidade. Exige força de vontade para o adestramento do corpo e exercício das faculdades intelectuais, percepção e vivência do simbolismo, imaginação criadora, riquezas de intuição, etc.».
[8]
O movimento do bailarino é um movimento muito diferente do movimento dos actores no palco do teatro ou no cinema. Nela, o movimento vem do interior. Diz Rudolf von Laban que «a acção exterior é subordinada ao sentimento interior».
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Susana Sousa

[1] CALADO, Maria; SATINHO, Manuela – A Arte fala – 12. Porto: Areal Editores. ISBN 972-627-317-X, pp. 19,20
[2]Citado em: GIRARD, Gilles; OUELLET, Real – O Universo do Teatro. Coimbra: Livraria Almedina, 1980, pp. 16,17
[3] Id, p.25
[4] PEIXOTO, Fernando – História do Teatro Europeu. 1ª ed. Edições Sílabo, 2006. ISBN 972-618-419-3
[5] Lei nº 107/01 de 8 de Setembro
[6] Ibid, p.175
[7] http://pt.wikipedia.org
[8] OLIVEIRA, A. – Dança. CHORÃO, João Bigotte (direcção). Encciclopédia Verbo Lus-Brasileira da Cultura. Edição Século XXI.Lisboa/ São Paulo: Editorial Verbo, imp. 1999. ISBN 972-22-1926 X. vol 8, p.916
[9] GIL, José – Movimento Total: o corpo e a dança. Lisboa: Relógio D’Água Editores, 2001 ISBN 972-708-650-0, p. 14